- Uma canção para o Seu Amor.
- A história do Fazedor de Chuva.
- O tal hormônio do amor.
- Mais amar do que ser amado.
- Sexo.
O que segue é a terceira parte do texto base que foi desenvolvido nesse retiro:
Claro que nosso retiro não se resumia a ficar estudando conceitos e textos. Meditamos algumas vezes na técnica do Primeiro Kriya, uma vez na meditação em movimento da linha Theravada, e fizemos alguns exercícios de consciência corporal variados.
Na manhã do segundo dia, após as práticas de corpo, o grupo permaneceu deitado, de olhos fechados, ouvindo esta música do compositor brasileiro Gilberto Gil:
O Seu Amor
O seu amor
Ame-o e deixe-o livre para amar
Livre para amar
Livre para amar
O seu amor
Ame-o e deixe-o ir aonde quiser
Ir aonde quiser
Ir aonde quiser
O seu amor
Ame-o e deixe-o brincar
Ame-o e deixe-o correr
Ame-o e deixe-o cansar
Ame-o e deixe-o dormir em paz
O seu amor
Ame-o e deixe-o ser o que ele é
Ser o que ele é
Eu senti que precisava recomeçar. Que eu não tinha conseguido acertar na noite anterior. Então, resolvi contar a
História do Fazedor de Chuva*
Esta é uma história que Jung aconselhava a seus alunos que fosse contada sempre que o grupo junguiano se reunisse para fazer um seminário ou conferência. Num dos últimos Natais, pouco antes de sua morte, em um jantar de confraternização, Jung contou ela novamente. Todos já a conheciam, no entanto, assim que terminou de ser contada, declararam que a atmosfera toda mudou.
A história é verídica. Foi vivida pelo amigo próximo de Jung, o sinólogo Richard Wilhelm. Ele estava vivendo em uma aldeia, em região remota da China, que passava por uma seca terrível. Quando a situação estava completamente insustentável, para essa gente que dependia da chuva para ter o que comer, resolveram buscar um “fazedor de chuva”.
Wilhelm acompanhou o caso com atenção: O homem, um velho ressequido, veio em uma carroça coberta. Quando chegou e saiu do veículo, fungou com expressão de nojo. Pediu então que o deixassem isolado sozinho em uma pequena cabana próxima, mas externa à aldeia. Suas refeições deveriam ser deixadas na sua porta.
Durante três dias ele permaneceu ali. Depois disso, começou a chover. Cada vez mais forte. Não só choveu intensamente, como até nevou, como nunca se tinha visto antes nessa época do ano. Wilhelm ficou impressionado e foi procurar o homem na cabana. Queria saber como ele tinha feito chover, e até nevar.
O fazedor de chuva respondeu que não era responsável por aquilo. Wilhelm insistiu: - Havia uma seca terrível e trouxeram ele pra fazer chover. E poucos dias depois, choveu intensamente. O que aconteceu?
“Ah, isso eu posso explicar! - Disse o homem - Eu venho de um lugar distante, onde as pessoas estão em ordem, em harmonia com o Tao. Então o tempo também está em ordem, em harmonia. Mas quando cheguei, percebi que as pessoas não estavam em ordem. E elas logo me contaminaram. Então precisei ficar sozinho, até estar de novo em Tao. Quando entrei em ordem, naturalmente choveu e nevou.”
Fim da história.
(* A História e as observações sobre ela podem ser lidas no livro escrito pela amiga próxima de Carl Jung, Barbara Hannah: “Rencontres avec l’Âme – L’imagination active selon C.G. Jung”)
Então é disso que tratamos quando realizamos o Amor: encontrar em si o pivô de nossa consciência amorosa. Não depender nem de pessoas e nem de deuses externos. Não nos deixarmos contaminar por nossas projeções, nossas transferências, que forjam inimigos e diabinhos.
Assim que a meditação é arte e ciência de trazer a consciência ao centro, à fonte. Gradativamente ir se desidentificando de nossas projeções, nossas transferências, para chegarmos, fisicamente, ao ponto chamado de Centro da Consciência: o Sexto Centro, Centro Crístico. Como diz Baba Hariharananda: O Ponto Atômico. Onde o som se funde à luz e a vibração de onda, em uma unidade amorosa, não relativa a espaço e tempo. Terceiro olho, onde se desfazem as dualidades.
Os Gurus nos pedem para que observemos nosso EU, guiados através da respiração plenamente consciente, até que cheguemos no ponto vácuo atômico que é a porta do Espírito. Algumas das técnicas que estudamos, utilizando diferentes órgãos e músculos da cabeça, nos permitem chegar até esse ponto. Ele é o próprio centro vazio da órbita das glândulas pineal e pituitária. Aqui eu posso afirmar a quem lê este texto agora, que isso é possível sim. Eu, que sou cheio de limitações e precariedades, consigo. Então certamente você também consegue. Precisa de alguma persistência e disciplina. De preferência alguma técnica de meditação decente, praticada diariamente. Um professor que saiba mesmo do que se trata, ajuda muito. Tenho a benção, é verdade, de ter na minha vida alguns professores muito bons. Mas o essencial é sua busca e empenho, não o professor. E tem aquela história de que quando o aluno está pronto, o professor aparece. Bom, não é exatamente assim que acontece, mas é mais ou menos isso. Então, vai se aprontando, desde já.
O essencial aliás, é sua capacidade de identificar em si mesmo o AMOR. Essa é a pista mais importante. Deste jeito, por exemplo:
Tem muita coisa relacionada à meditação nessa área do cérebro acima da medula oblongata. Pra isto não ficar ainda mais longo, vamos focar no hormônio oxitocina. Alguns cientistas, pra simplificar, dizem que é o hormônio do amor. Que é a liberação dele na corrente sanguínea que proporciona sensações de afeto, prazer físico, aconchego e pertencimento. Ele é produzido no hipotálamo e armazenado na pituitária, especificamente na neuroipófise.
Pessoas que não desenvolvem autoconhecimento, quando tem descargas de oxitocina, creditam a personagens externos sua sensação de prazer e acolhimento: a mamãe sorridente, o namorado bonito, o time de futebol, a irmandade com as mesmas crenças, o carro novo, os “likes” nas redes sociais... E por outro lado, sentem como ameaça a sua fonte de oxitocina, tudo que “ameaça” seus personagens: o irmãozinho que roubou a atenção da mamãe, a garota bonita que está conversando com “meu” namorado, a torcida adversária, os que pensam diferente, etc.
Ou seja, a dependência química que TODOS NÓS temos da oxitocina, também é a razão de nosso ódio cego, do sangue nos nossos olhos, quando nos deparamos com algo ou alguém que ameace o que pensamos ser nossa fonte de “amor”.
Por outro lado, a pessoa que medita consistentemente, automaticamente vai se tornando capaz de liberar sua oxitocina a partir da própria experiência de aprofundamento da cognição interior. Se torna auto-suficiente no fornecimento da droga que mais necessita... Mais uma vez: a pista para esse processo é a consciência do AMOR.
Você talvez se pergunte: Mas então ela deixa de amar os outros?
Não. Ela deixa de se iludir com a fonte de sua experiência amorosa. Quanto mais sensível a essa experiência, mais ela pode, por vontade própria, dedicar esse amor que sente a quem quer que seja. Passa a entender, em um nível mais aprofundado, a oração de São Francisco de Assis:
...
Ó Mestre, Fazei que eu procure mais
Consolar, que ser consolado;
compreender, que ser compreendido;
amar, que ser amado.
Pois é dando que se recebe,
é perdoando que se é perdoado,
e é morrendo que se vive para a vida eterna.
A oração remete ao eixo discípulo-mestre, que é o eixo das duas pétalas (HAM-SA) exatamente do Sexto Centro. A liberação, a realização da imortalidade da alma, se dá nesse eixo. Quando nos percebemos puramente existentes no vácuo do ponto atômico. E, amando a si mesmo sem dependências, conseguindo mais amar do que ser amado.
Entendeu? Não? Então medite mais. Com Amor.
Por último, lembrando a fala de um de nossos amados professores, o Yogi Sarveshwarananda: - As pessoas fazem tudo por amor. É por amor ao dinheiro que o obcecado em dinheiro se move. É por amor ao sexo que o viciado em sexo se move. É por amor à guerra que o louco das guerras se move. É por amor à família que os pais se movem. É por amor à poesia que o poeta escreve. Todas as formas de ação, virtuosas ou viciosas, são movidas por Amor.
E nenhuma delas libera o espírito, não importa se virtuosa ou viciosa. O que liberta é a compaixão, a capacidade de não estar preso ao objeto do amor. Então, sim, é verdade, vamos verificar que os seres que desenvolvem esse tipo de amor com espírito livre, vão dedicar seu amor às expressões virtuosas do Amor.
O verdadeiro bem não é uma opção, é uma conseqüência:
Conseqüência da conquista sagrada do Amor.
No trecho anterior eu escrevi que trataria da questão do sexo, por causa do conto de João Boca de Ouro.
Se João tivesse sido um asceta rishi, alguns milhares de anos antes, nos tempos anteriores ao pré-brahmanismo, não teria se atrapalhado tanto com a atração sexual que sentiu pela “bela” princesa. Sua confusão exagerada e sua explosão emocional foram fruto da orientação cega que recebeu da então vigente instituição religiosa.
Um asceta limita suas experiências sexuais, não porque o ato em si seja um problema. Mas:
- O ato sexual libera “energia” no corpo, através da liberação de hormônios e ação dos neurotransmissores. O processo de canalização dessa “energia” para consciência transpessoal é parte dos estudos avançados de meditação. Quem se dedica a essas práticas realiza “jejuns” ou “concentrações” e “expansões” de sexo, como parte desses estudos. Essas práticas necessitam orientação cuidadosa e são diferentes, de acordo com o gênero sexual.
- O ato sexual, em si, é neutro. Mas pode ser, ou um ato de posse e afirmação egoísta, ou um ato de integração e elevação amorosa. Depende da consciência de quem o pratica: vai com a consciência para baixo ou para cima. O que vai pra baixo, leva cada vez mais pra baixo. O que vai para o Amor, se ilumina. Entendeu?
Baba Hariharananda tem uma forma simples de orientar essa questão:
- No ato sexual (antes, durante e depois) lembre-se: não é você quem está fazendo sexo, é o Deus manifesto quem está fazendo sexo através de você.
É uma orientação bem didática essa, mesmo que você faça questão de não acreditar em Deus.
Da consciência profunda dentro de você, observe de onde vem seu desejo sexual, onde ele o/a coloca, e para onde o/a leva.
Esse é um dos caminhos para entender o significado de Shakti.
O sexo é um dos mais evidentes e poderosos canais da vitalidade (mas não o único e nem o mais poderoso). Através desse canal existe a possibilidade de elevar ou baixar a consciência amorosa. Você decide.
No final da manhã do segundo e último dia eu já estava plenamente consciente que não chegaria, nesse retiro, com as pacientes almas que resolveram tolerar minha pretensão, até onde eu achava que chegaria.
Eu ainda nem tinha começado a estudar o livro de Sree Yukteshwar, que era afinal o ponto principal do programa...
Nas próximas duas partes (e finais) desta sequência de posts, trato disso.
Yogacharya Céu, São Paulo, Brasil, maio-agosto 2017
(revisado em Aalter, Bélgica, dezembro 2017)
O Amor é o mais importante. Parte 1 de 5
O Amor é o mais importante. Parte 2 de 5