Consciência do Nada


JIVA 4- PLANOS, desenho-litogravura de Céu D'Ellia

O VEDANTA cita, entre os aspectos da mente, AHANKAARA.

Quem estuda sânscrito sabe que traduções diretas das palavras são impossíveis ou, ao menos, não recomendáveis. Meus professores desse idioma, que também são meus professores de meditação, diriam que o significado do sânscrito só pode ser entendido, inicialmente, por aproximação explicativa. E em seguida, mais que compreendido, “realizado” pela prática constante da meditação.



Assim, uma forma aproximada de entender AHANKAARA, é como o aspecto de nossa mente que faz a separação entre “eu” e “outro”, ou “eu” e “resto do mundo”. É chamado também de semente da separação. A separação, na consciência, do que se entende como “eu” e de “tudo que não é o eu”.

Também podemos dizer, ahankaara é o “eu que pensa que faz”, o “eu que pensa que é”. É aquela parte da mente que esquece que o corpo é conseqüência de fatos e matéria que antecedem o próprio nascimento. Que esquece que as próprias ideias, palavras, conceitos, existem independe e anteriormente à percepção de “eu”. E continuarão depois da morte desse “eu”, através do mundo e dos outros.

Costuma-se traduzir AHANKAARA como EGO. Mas não é mesma coisa. O que se entende como ego engloba o ahankaara e mais outros aspectos da mente. Poderia se dizer, de forma simplificada, que enquanto uma pessoa que perde a noção de EGO, enlouquece, por outro lado, uma pessoa que se liberta de AHANKAARA, alcança a consciência transcendental. Ou seja, a consciência que vai além de si própria e que é capaz de enxergar o outro como um fenômeno de uma só totalidade do qual todos fazem parte. Uma consciência, portanto, que se torna compassiva, intuitiva e empática.



Dizemos também que ahankaara, semente da separação, é assim também semente da “angustia primordial”. Um estado de desconforto atávico que todo ser humano comum carrega desde o nascimento. Alguns com alguma consciência disso, outros com nenhuma. Uma insatisfação, nunca superada, que procura ser preenchida por experiências físico-sensoriais, emocionais e intelectuais. O motivo dessa “angústia primordial” seria a separação que se dá na consciência, quando o ser deixa de fazer parte do Todo e passa a se perceber indivíduo. Há o prazer de se perceber existente e há a dor da separação da totalidade. Entre o prazer e a dor, aloja-se a angustia.



Os aspectos da mente só podem ser plenamente percebidos em estados específicos da própria mente. Perceba que “aspecto” e “estado” são termos diferentes. Aspecto é uma característica, um elemento. Estado é um local, uma instância.

A inter-relação entre aspectos e estados determinam o tipo (ou qualidade) de consciência de um ser individual.



(Aqui, um parênteses...
Talvez a Fenomenologia, que é uma corrente filosófica surgida no Ocidente, bem no final do séc. XIX, tenha aberto espaço para se perceber, no auto-proclamado mundo ocidental, que as práticas orientais de meditação não eram meros rituais supersticiosos. Um discernimento que já se esboçava ainda algumas décadas antes, com as ideias filosóficas de, entre outros, Immanuel KANT e Arthur SCHOPENHAUER.

Mas é apenas em meados do século XX, com os avanços científicos nos estudos do funcionamento do sistema nervoso central humano, que se começa a perceber que, além de fonte de reflexões filosóficas, meditação é uma ciência que pode ser verificada empiricamente e que tem gradações quantificáveis de desenvolvimento. O fato objetivo é que descrições sobre o funcionamento da mente, registradas nos UPANISHADS em tempos remotos, hoje são verificadas em laboratórios e análises do metabolismo humano. Por exemplo, os chamados “estados da mente” e as hoje estudadas variações das ondas cerebrais.

... que fecha aqui)



Meditação é, em primeiro momento, uma prática de auto-investigação. Dependendo de algumas condições, torna-se um processo de discernimento do que é periférico e do que é central no fenômeno da consciência. Na minha prática pessoal de meditação, assim como no acompanhamento do desenvolvimento de meus alunos, percebi que, o ponto de transição da consciência que supera a angústia primordial é aquele que supera a identificação com a própria forma transitória. É quando a consciência do NADA deixa de ser um medo, para ser uma fonte de paz e prazer.

É quando se percebe que a fonte que alimenta a própria existência, o TUDO, é o próprio Nada. 
A identidade deixa de ser uma soma de projeções periféricas e se torna a consciência pura de um EU central e vazio, completamente vivo e preenchido de NADA.

TUDO que existe é a moldura de NADA. Através de tudo, se realiza o nada. Através da consciência conciliada com o nada, cada instante se torna único, inteiro, total.

Quanto mais um indivíduo é capaz de se aproximar da consciência do Nada, mais ela/ele desenvolve qualidades de integração, auto-consciência e prazer transcendental (ou não limitado por circunstâncias materiais).

Yogacharya Céu
SP 10 out 2017

3 comentários:

  1. Muito bom, Céu! Tenho tido essa percepção: do Vazio, absorvo Tudo. Marcelo Calegare

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    1. Pra ver que a prática de Kriya Yoga é mesmo uma ciência com resultados quantificáveis.
      E o resultado máximo é NADA.

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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