Maravilhosa Ilusão & um pouco de Hayagriva


Cintia Duarte, que coordena as meditações de nosso grupo em São Paulo, me enviou duas perguntas do grupo.

Achei bom postar aqui, perguntas e respostas, porque podem atender também outros estudantes, em outros lugares.


Primeira pergunta da Cintia:
A proposta é estudarmos o capítulo IV do livro Kriya Yoga do Baba Hariharananda, chamado "A teoria da Kriya Yoga", lendo um trecho por semana. E, à medida em que forem surgindo dúvidas e questões, anotar e buscar sua ajuda. É uma forma de avançarmos, mesmo com nossos parcos recursos.
O primeiro trecho, da pág. 121 à pág. 125, trata dos 25 elementos do corpo humano.
A primeira dúvida surgiu na seguinte frase, no final do primeiro parágrafo da pág. 123:
"Em cada corpo denso existe também a assombrosa tendência à ilusão, ao engano e ao erro gerada pelo purusha e denominada kundalini."
Nos pareceu estranho que  o "purusha", sendo o elemento cósmico, o poder de Deus, pudesse "gerar" ilusão, engano e erro.
A Fedra trouxe então, o texto em inglês para confrontarmos a tradução e, pelo que entendemos, o verbo "gerar" não traduz muito bem o sentido da frase, pois tendemos a interpretá-lo como "dar origem a". Para o sentido da frase, talvez fosse melhor empregar "propiciar", "possibilitar"...


Resposta:
A frase que leio em inglês é:
"There is also marvellous delusion, illusion and error that is given by the purusha to every gross body, which is called kundalini".
A tradução para o português está precária. Alguém que não conhece Kriya o suficiente e que tentou reinterpretar sem conhecer melhor Baba Hariharananda:
"Em cada corpo denso existe também a assombrosa tendência à ilusão, ao engano e ao erro gerada pelo purusha e denominada kundalini."
Em primeiro lugar Baba qualificou a delusão, a ilusão e o erro como MARVELLOUS (MARAVILHOSA, ADMIRÁVEL e não ASSOMBROSA). Quem traduziu "marvellous" por "assombrosa" estava na dúvida do que o Baba queria dizer e escolheu uma palavra dúbia, porque assombrar também tem o significado de assustar. Não está incorreto, porque muitos se assustam com a maravilha. Se assombram.
O tradutor teve a mesma dúvida que vocês: Como ilusão, delusão e erro são percepções negativas, como poderiam ser maravilhosas? Como poderiam ser geradas pelo poder divino?
Mas Baba está quebrando um paradigma, uma dualidade. Ele está nos dizendo que a fonte da dualidade e do engano é algo para se maravilhar. Ele está nos convidando a ir além da dualidade e perceber o jogo da Leela. Ao invés de ficarmos presos entre o medo da dor e o desejo pelo prazer, para que acordemos para a realidade transcendental: Tudo é Divino e Maravilhoso. O mesmo mundo que pode ser horrível, também pode ser lindo. E quando vamos além da dualidade e acordamos para a fonte da nossa existência, percebemos o belo não só no belo, mas também no feio.
Uma vez percebido isso, a palavra até poderia ser "gerar". Ainda que não seja essa a palavra do texto em inglês. Baba nos diz que Purusha nos DÁ (também, não apenas) maravilhosa delusão, ilusão e erro, em cada corpo físico. E isso se chama kundalini. Eu traduziria como:
"Há também maravilhosos delusão, ilusão e erro, que nos são dados em cada corpo por purusha, o que é chamado kundalini."
Sim, quem nos dá a percepção da realidade de forma ilusória é Purusha, através de Kundalini. E através da Kriya desperta-se a própria Kundalini e vence-se a ilusão.
Entende?
Não há dualidade. Há um convite para superar a maravilhosa ilusão através da maravilhosa e divina fonte da própria ilusão. Isso não pode ser alcançado através de conversas e informações. É preciso Yoga.
E no final se perceberá que a Ilusão é a própria Realidade. Porque não é o objeto em sim, mas a realização do Sujeito Criador. 



Segunda pergunta da Cintia:
A segunda dúvida surgiu na seguinte frase, a quarta do último parágrafo da pág. 123:
"A primeira letra ham está na glândula pituitária e sa, a última letra, no centro do cóccix."
Pelas explicações posteriores, ham está ligado ao corpo denso e sa, à alma. Assim, faria mais sentido sa estar nos centros mais altos (pituitária) e ham, nos centros mais baixos (cóccix) e não o contrário...
No texto em inglês, a frase é a mesma.

 
Resposta:
Há quem conheça sânscrito e Kriya muito melhor do que eu.
Mas vou responder dentro do que conheço.

·       A é a primeira letra do alfabeto sânscrito.

·       SA é a última letra do alfabeto sânscrito.

·       HA é a última e a primeira letra do alfabeto sânscrito.

Entende? HAM é tanto a última como a primeira. É a expiração. É Hayagriva (Vishnu na forma de Cavalo Divino) que resgata o conhecimento espiritual no final de cada ciclo, para que se inicie um outro. A vitória definitiva. Eu já expliquei isso em alguns satsangs. Lembre do som que faz o cavalo quando exala o ar. A expiração concluída cria a pausa de vácuo que dá início à inspiração: a primeira letra A.
Não é lindo?
Ao invés de primeiro e último, início e fim, temos o eterno: último que antecede o primeiro, primeiro,...todas as manifestações..., último, último que antecede o primeiro. Não é uma linha interrompida. É uma espiral infinita.
HAM, A...todo alfabeto...SA, HAM
Entendido isso, no sexto chacra encontram-se HAM-SA. A totalidade expressa através da CONSCIÊNCIA da dualidade material/imaterial, corpo/espírito. O corpo e a alma em comunhão.
Mas SA também está no primeiro chacra. Quando se percorrem todos os chacras e nadis do corpo (sutil e material), conclui-se com SA no primeiro chacra. E se retorna através da ascensão de kundalini por Anusvaara-Visarga, que é HAM como SA-HAM ou SOHAM.

SA está no sexto centro como Satyan, a verdade abstrata, a alma imortal que anima a consciência física. Está no primeiro centro como a Alma criadora em potencial para despertar, pelo despertar da Kundalini e atingir a si mesma no despertar da Consciência Crística ou Consciência Kriya. Através do ciclo completo da respiração Kriya, o corpo físico HAM propicia que a fonte SA reencontre à alma SA, retornado a criação ao criador, a alma a sua morada imortal.

Isso vocês vão entender melhor quando se desenvolverem mais no Segundo Kriya. A tradição atual da escola de Hariharananda divide o Segundo Kriya em três iniciações. E a maioria de vocês, ou está no Primeiro Kriya ou na primeira iniciação do Segundo. Paciência e perseverança.
SA também está no sétimo chakra, a coroa, o topo da cabeça, SAHAS-HARA...

Yogacharya Céu, New York City, Outubro de 2016

Meditação diária e no dia do Equinócio


Escrevo este post no dia 21 de Março de 2017. É dia do Equinócio. No Hemisfério Norte, Equinócio da Primavera e no Hemisfério Sul, do Outono.

É considerado pelos yogues um dos dias mais favoráveis do ano para a prática da meditação.  Afirma-se que nesta data o magnetismo de todo o campo físico, do planeta e de todos os seus seres, está em equilíbrio. Como os praticantes de Kriya Yoga sabem, estando os campos magnéticos equilibrados, estão também equilibrados os canais Ida e Pingala, e assim facilitada a abertura da Sushumna.
Mais um bom motivo hoje para você praticar Kriya Yoga e mesmo para encontrar com seu grupo de meditação, para o benefício mais intenso da prática coletiva.

Mas lembre-se que ainda mais importante é meditar diariamente.
Os yogues já conheciam há milhares de anos atrás, o que hoje a ciência moderna chama de memórias de curto e longo prazo, e dos ciclos regulatórios do sono. Mas além do que estuda a ciência moderna, os antigos rishis já estudavam profundamente o fenômeno da consciência e sua conexão com os campos imateriais.
Nossos cérebros tem ciclos que são pontuados pelo sono.
A cada "sono" completa-se um ciclo e parte da memória da mente conhecida como "manas" é descartada, limpa.
Igualmente, se for a mente de um praticante de meditação, integra-se a cada ciclo uma nova camada do "buddhi". Isso se naquele dia, em algum momento anterior àquele sono, o praticante tiver meditado.
Essa é uma das razões porque se recomenda cientificamente a meditação diária. Porque cada dia é uma oportunidade de integrar uma camada da realização consciente, um passo em direção ao samadhi. 


Baba diz: - Tempo gasto em meditação é tempo ganho.

Um dos outros motivos apontados é que o ciclo do dia é o ciclo energético do nosso sistema solar, nossa porta de conexão com todo o Universo. Assim, meditando diariamente estamos nos sincronizando com todas as forças materiais e imateriais que regulam nossa consciência da existência da força cósmica e portando da própria vida.

Aproveite bem cada um de seus dias. Medite diariamente. Permita-se expressar mais e mais o amor e a paz que são a razão de sua existência.

(Yogacharya Céu, NYC, 21 março 2017)