A Ressurreição dos Filhos do Brâmane

 

26 de agosto de 2021 contei e estudamos um pouco a história do Bhagavatan Purana X, "A Ressurreição dos Filhos do Brâmane" (ou dos Brâmanes).

A aluna do grupo de Meditação Básica, Vitória Leopoldina, fez umas perguntas bem interessantes, depois da aula, e estou postando aqui, para quem se interessar. Quem quiser conhecer a história, procure no Bhagavatan.


1- Céu, sobre a história de ontem, fiquei examinando interessante isso de eles terem que atravessar toda a existência para encontrar a si mesmos e isso do sete, sete mundos, sete oceanos... Interessante esse número, são sete dias o nosso ciclo da lua e da semana, digo parece uma metáfora de atravessarmos o nosso cotidiano, a nossa própria existência para encontrar esse nosso eu humano e supremo em outro nível. é isso?

Sim, isso mesmo. Sete é um número que representa todos os níveis possíveis da existência humana. É quase um arquétipo, porque aparece com esse significado em diversas culturas. No Budismo são os sete fatores da iluminação. No Islão o peregrino dá sete voltas em torno da Kaaba. Para os Sufi são sete os pilares da sabedoria. São sete as estrelas principais das Plêiades. No Antigo Testamento, sete sacerdotes tocando sete trombetas deram sete voltas em torno de Jericó e no sétimo dia derrubaram suas muralhas. São sete os pedidos do Pai Nosso. Maria Madalena (Lucas 8:2) se purifica ao expelir sete demônios. No Apocalipse (Revelação), 1:12 Jesus surge no meio de sete luzes (candeeiros), além dos sete selos 5:1, as sete tochas que são os sete espíritos de Deus 4:5, etc, etc, etc, etc, etc, etc, etc. Sete notas musicais, sete cores do arco-íris e eu poderia passar 7 x 7 dias lembrando setes. (Mas meu preferido continuaria sendo os sete anões da Branca de Neve).

Na Yoga e no significado védico específico dessa história, sete representa, como eu disse acima, os sete níveis da existência humana, que se projetam na coluna vertebral (que é o próprio arco Gandiva), em sete chakras principais:

1- Sobrevivência e acúmulo material
2- Sexualidade e família
3- Alimentação e poder físico
4- Emoções
5- Comunicação e ideias
6- Consciência de si
7- Consciência espiritual

Arjuna tem enorme conhecimento e é capaz de visitar todos os planos da existência, materiais e astrais. Arjuna é o guerreiro espiritual, cujo arquétipo no tarot é o arcano número sete. Mas precisa de Krshna para ir ALÉM da existência, além de tudo que pode, e chegar na causa original, além de tudo que é manifesto e é a própria fonte da manifestação.


2- Mas fiquei pensando, por que uma cobra de mil cabeças? Digo, poderia ser tantos outros seres, é um símbolo?

Cobras e serpentes são um dos arquétipos mais presentes no imaginário e no inconsciente de todas as culturas, todas as épocas e lugares. E não é diferente na mitologia das Puranas. Há no entanto aqui, simbologias bem distintas:
A- Serpentes podem representar os vícios humanos, como na contraposição entre a águia Garuda, que representa a ação purificadora de Lei Cósmica, e seus inimigos ancestrais, as 1000 serpentes.
B- Cobras surgem como Nagas, principalmente nas Puranas com raízes em culturas xamânicas (até hoje as Nagas são reverencidas no Ladak, por exemplo). São Espíritos da Natureza fonte de poder, medicina e conhecimento.
C- Cobras de tamanho fabuloso, como Ananta, nesta história que estudamos, simbolizam o infinito. A palavra Ananta quer dizer “imensurável, o que não pode ser medido”. Em todas as culturas, o sentimento de SUBLIME é despertado por aquilo que não se consegue perceber o fim, aquilo que leva ao infinito. Nesta história Ananta é descrita como branca resplandecente, mas com a goela azul o mais profundo, que são os dois aspectos luminosos do cosmos infinito. Outra cobra infinita nesta mesma mitologia é Kala, que quer dizer “Tempo”.

Ananta, que é o leito da Divindade Suprema, suspensa no Oceano Infinito da Luz ou da Escuridão, representa também todos os seres viventes, já que são eles o próprio reflexo e suporte da manifestação Divina. O número 1000, nesta mitologia, é sinônimo de Infinito. Dizer 1000, ou dizer infinito, é a mesma coisa. Mil cabeças querem dizer então infinitos seres viventes. Mas repare que são 2000 olhos. Isso quer dizer que todas essas infinitas cabeças estão no mundo da dualidade. Ou seja, ignoram que são a manifestação divina, mesmo sendo sua própria sustentação.
D- A cobra também está associada à força vivente na coluna vertebral, a Kundalini. Neste caso, esta é a serpente que pode ser, dependendo do despertar da consciência de cada um, cada uma das três que descrevi acima:
- Pode se manifestar em vícios, quando agindo na inconsciência e na ilusão. (material)

- Pode ser a força mística de cada ser. (astral)
- Pode ser o caminho para o infinito, a consciência suprema realizada. (causal)


3- E o que significa 10 mortes levarem a essa busca atravessando toda a existência? É uma representação também?

São mortes de recém-nascidos. Ou seja, estão em desacordo com a harmonia da Vida. E não apenas uma, mas diversas, seguidamente, para que não reste dúvida de que algo está errado. E no reino de Krshna, que é um Avatar – alguém cuja missão, propósito da existência, é restaurar o Dharma, que é a Harmonia Espiritual, a Lei Universal. Realmente algo está completamente fora do lugar, nos diz o início da narrativa.

A mensagem da história é que aquilo que parece estar muito errado com o mundo, com a comunidade onde estamos, é um chamado para a ação. Um impulso para buscarmos nossa razão de existir, nosso senso de fraternidade, de amor ao próximo e, mais que tudo, a fonte de nossa consciência Espiritual. Há quem diga que o fato de Deus permitir que haja tanta injustiça e sofrimento é a prova de que ele não existe. Mas a história nos diz que esses são exatamente os chamados para sairmos da comodidade de nosso egoísmo, de nosso narcisismo, e nos tornarmos como Arjuna, guerreiros Espirituais. Ou seja, enfrentarmos nossa ignorância e buscarmos a Suprema Consciência.

Arjuna busca as crianças mortas em todos os mundos e planos da existência. E não encontra. E ele fez isso por seu amor pelos pais das crianças, pelas crianças e principalmente por seu amigo Krshna. Mas o próprio Krshna sabia onde estavam as crianças e é quem leva Arjuna a elas, depois que este esgota todos seus recursos. Ou seja, tudo aquilo era apenas um teste, uma prova, para incentivar Arjuna a expandir sua consciência e agir, realizando seu valor e amor ao próximo e à Divindade. O agir, o esforço, a ação amorosa, o senso de sacrifício de Arjuna eram o objetivo de tudo, e não encontrar as crianças. Porque elas estavam o tempo todo bem abrigadas no coração da Suprema Existência. Tudo era apenas uma ilusão de sofrimento para mover Arjuna e permitir a realização plena de seu potencial espiritual. E uma vez que ele luta com todas as suas forças, por compaixão aos outros, chegando ao ponto do completo desapego, oferecendo-se para sacrifício até mesmo físico, a Divindade se revela e o abençoa com a Suprema Visão.

De fato, observo que a maioria das pessoas que dizem estar buscando conhecimento e evolução espiritual, em todos os grupos que conheci, e mesmo nas nossas sanghas da Kriya, estão buscando apenas para elas próprias. Para resolver seus próprios problemas, para aprimorarem a si mesmas e se livrarem do próprio sofrimento, ou por ego espiritual, para se julgarem superiores a outras pessoas que não buscam. Raras as que buscam espiritualmente porque estão preocupadas com o sofrimento alheio. E não vejo que exista ensino, técnica, prática de qualquer tipo que possa mudar isso. A decisão de olhar para os outros e amá-los tanto quanto se ama a si mesmo ainda é puro livre-arbítrio. Mas talvez seja o único movimento verdadeiro, que realmente leva a alcançar o entendimento supremo, a Realidade Transcendental.

Arjuna já era vitorioso mesmo antes de realizar todos os feitos que realizou nessa história e alcançar a Graça Divina, porque desde o início se moveu pelo Amor aos semelhantes e ao seu amigo Krshna, e não por narcisismo egóico. Firmou-se em si (- Não sou tão poderoso quanto os outros, mas sou Arjuna e tenho meu arco Gandiva, posso lutar e, se não conseguir ao menos terei lutado) e foi em frente, disposto ao sacrifício (sacro ofício, consagrar a ação, tornar-se um com o Sagrado).

Quanto ao número de crianças mortas, dez, não sei se é um número qualquer ou realmente simboliza algo específico. O mais importante, me parece, é que significa que “passou do limite, passou de qualquer ponto tolerável”.

O dez é o número mais básico e próximo de nós como limite matemático. Mesmo quem não tem nenhum conhecimento sabe usar os dez dedos da mão para contar. E o limite é justamente dez.

Alguns textos védicos, nos quais o próprio Baba Hariharananda se apoia, dizem que dez são as direções no mundo físico (norte-sul-leste-oeste-nordeste-noroeste-sudeste-sudoeste-acima-abaixo) e dez são os sentidos do mundo físico (visão-olfato-paladar-audição-tato-sexo-excreção-andar-manipular e mente). Dez seria então o limite da nossa experiência no mundo material e a partir daí, esgotado, começamos a perceber que a busca, de fato, está além desse limite.

Mas se alguém tiver uma explicação melhor para esse dez, ou para todas essas perguntas da nossa amiga Vitória, também estou querendo saber.

Com Amor

Y Céu