O que segue é um trecho do livro Science and the Indian Tradition: When Einstein Met Tagore (Ciência e a Tradição Indiana: Quando Einstein encontrou Tagore), de David Goslin.
Rabindranath Tagore e Albert Einstein,
Berlin, 14 de julho de 1930
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O livro trata de um encontro notável: a 14 de julho de 1930,
o físico Albert Einstein recebeu em seu lar em Berlin o escritor e filósofo
indiano Rabindranath Tagore. Traduzi uma pequena parte da conversa que tiveram.
E para seu estudo comparado, ou para os que não lêem português, estou postando
também o trecho original em inglês.
Palavras são o rarefeito suporte de nossa interpretação do
mundo. E traduções sempre navegam no estreito limite das culturas de cada
idioma e de cada época. Principalmente quando falamos de assuntos como Verdade,
Deus, Beleza.
A conversa entre Einstein e Rabindranath colide sempre que a
diferente interpretação das palavras leva a compreensões superficialmente
diferentes. E mais controvérsia ainda geraria se não entendessemos que o que
Tagore chama de Homem (com H maiúsculo) não é o Deus projetado com sexo
masculino da mitologia ocidental, mas a força criativa sem forma, mas já
concebida em Pessoa -Purusha-, que antecipa em um infinito de segundo o
potencial da existência, esse aspecto permanentemente receptivo e aberto a
conceber a realidade, a Mãe Divina, o Feminino, a Shakti.
É característico, como já repeti em outras ocasiões, que a
utilização de tantas diferentes palavras para dizer “Deus”, na raiz sânscrita
dessa forma de pensar de Tagore, corresponda não a simples sinônimos, mas a um
aperfeiçoado entendimento da diversidade inumerável desse conceito “Deus”.
Então mais a frente, no próprio diálogo, Tagore usa Ser Universal (Universal
Being). Porque não está mais se referindo à projeção da forma divina no mundo
humano, mas à existência que transcende a corporificação: o Verbo, o Ser.
Com Amor, Céu D’Ellia
EINSTEIN: Você acredita no Divino como separado do mundo?
TAGORE: Sem separação. A personalidade infinita do Homem
compreende o Universo. Não existe nada que não possa ser absorvido pela
personalidade humana, e isso prova que a Verdade do Universo é a Verdade
humana.
Eu tomo de um fato científico para explicar isso – Matéria é
composta de prótons e elétrons, com espaços entre eles; mas a matéria pode
parecer sólida. Similarmente a humanidade é composta de indivíduos, ainda assim
eles tem interconecções de relacionamento humano, o que dá unidade ao mundo
humano. O universo inteiro está ligado a nós de maneira similar, é um universo
humano. Eu tenho perseguido este pensamento através de arte, literatura e da
consciência religiosa do ser humano.
EINSTEIN: Existem duas concepções diferentes sobre a
natureza do universo: (1) O mundo como unidade dependente da humanidade. (2) O
mundo como realidade independente do fator humano.
TAGORE: Quando nosso universo está em harmonia com o Homem,
o eterno, nós conhecemos isso como Verdade, nós sentimos isso como beleza.
EINSTEIN: Esta é concepção puramente humana do universo.
TAGORE: Não pode haver outra concepção. Este mundo é um
mundo humano- a visão científica dele também é a visão do homem científico.
Existe um princípio comum de razão e apreciação que lhe confere Verdade, o princípio
comum do Homem Eterno, cujas experiências se dão através de nossas
experiências.
EINSTEIN: Isto é realização da entidade humana.
TAGORE: Sim, uma entidade eterna. Nós temos que tomar
consciência disso através de nossas emoções e atividades. Nós realizamos em nós
o Homem Supremo que não tem limitações individuais através de nossas
limitações. Ciência ocupa-se daquilo que não está limitado aos indivíduos; é o
mundo humano impessoal das Verdades. Religião realiza estas Verdades e as liga
às nossas necessidades mais profundas; nossa consciência individual da Verdade
adquire significação universal. Religião adiciona valores à Verdade, e nós
reconhecemos essa Verdade como boa através de nossa própria harmonia com ela.
EINSTEIN: Verdade, então, ou Beleza, não é independente do
Homem?
TAGORE: Não.
EINSTEIN: Se não houvessem mais humanos, o Apolo de
Belvedere não continuaria sendo belo.
TAGORE: Não.
EINSTEIN: Eu concordo no que se refere à concepção de
Beleza, mas não em relação à Verdade.
TAGORE: Por que não? Verdade é realizada através do ser
humano.
EINSTEIN: Eu não posso provar que minha concepção está
certa, mas esta é minha religião.
TAGORE: Beleza está no ideal da harmonia perfeita que está
no Ser Universal; Verdade a compreensão perfeita da Mente Universal. Nós
indivíduos nos aproximamos disso através de nossos próprios erros e desatinos,
através de nossa experiência acumulada, através de nossa consciência iluminada
– de que outra forma, se não essa, podemos conhecer a Verdade?
EINSTEIN: Eu não posso provar cientificamente que Verdade
precisa ser concebida como a Verdade que é válida independente da humanidade;
mas eu acredito nisso firmemente. Eu acredito, por exemplo, que o teorema de
Pitágoras na geometria determina algo que é aproximadamente verdadeiro
independente da existência do homem. De qualquer forma, se existe uma realidade
independente do homem, também existe a Verdade relativa a esta realidade; e de
certa forma a negação da primeira gera a negação da existência da seguinte.
TAGORE: Verdade, que é uma com o Ser Universal, precisa
essencialmente ser humana, senão o que quer que nós humanos concebamos como
verdadeiro não pode ser chamado de verdade – ao menos a Verdade que é descrita
como científica e que pode apenas ser alcançada através do processo da lógica.
Em outras palavras, através de um orgão de pensamentos que é humano. De acordo
com a Filosofia Indiana, existe Brahman, a Verdade absoluta, que não pode ser
concebida pelo isolamento da mente individual ou descrita por palavras, mas que
pode apenas ser realizada pela completa fusão do individual em seu infinito.
Mas tal Verdade não pode pertencer à Ciência. A natureza da Verdade que nós
estamos discutindo é uma aparência – dito isso, o que aparenta ser verdadeiro à
mente humana, e portanto é humano, e pode ser chamado de maya ou ilusão.
EINSTEIN: Então, de acordo o seu entendimento, que pode ser
o entendimento indiano, não é a ilusão do indivíduo, mas da humanidade como um
todo.
TAGORE: As espécies também pertencem a uma unidade, à
humanidade. Portanto a mente humana inteira realiza Verdade; a mente indiana ou
a européia encontram-se em uma realização partilhada.
EINSTEIN: A palavra espécies é usada em alemão para todos os
sêres humanos, na verdade, até mesmo os macacos e os sapos pertencem a isso.
TAGORE: Em ciência nós aplicamos a disciplina de eliminação
das limitações pessoais de nossas mentes individuais e assim atingir aquela
compreensão da Verdade que é a mente do Homem Universal.
EINSTEIN: O problema começa se por acaso a Verdade é independente
de nossa consciência..
TAGORE: O que nós chamamos verdade reside na harmonia
racional entre os aspectos objetivos e subjetivos da realidade, ambos os quais
pertencem ao home supra-pessoal.
EINSTEIN: Até mesmo em nossa vida diária nos sentimos compelidos
a atribuir uma realidade independente do homem aos objetos que usamos. Nós
fazemos isso para conectar a experiência de nossos sentidos de uma maneira
razoável. Por exemplo, se ninguém está em casa, ainda assim a mesa permanece
onde está.
TAGORE: Sim, permanece fora da mente individual, mas não
fora da mente universal. A mesa que percebo é percebida pela mesma forma de
consciência que eu possuo.
EINSTEIN: Se ninguém estiver na casa, a mente continuará a
existir da mesma forma – mas isto já está invalidado do nosso ponto de vista –
porque nós não podemos explicar o que significa a mesa estar lá, independente
de nós.
Nosso ponto de vista natural em relação à existência da
verdade separada da humanidade não pode ser explicado ou provado, mas é uma
crença da qual ninguém pode se abster – nem mesmo seres primitivos. Nós
atribuímos à Verdade uma objetividade super-humana; é indispensável para nós,
essa realidade que é independente de nossa existência e de nossa experiência e
de nossa mente – apesar de não conseguirmos dizer o que isso significa.
TAGORE: A ciência tem provado que a mesa como um objeto
sólido é uma aparência e no entanto aquilo que a mente humana percebe como mesa
não existiria se essa mente fosse anulada. Ao mesmo tempo é preciso admitir que
o fato, que a última realidade física é nada senão uma série de centros
circulatórios de força elétrica separados, que também pertencem à mente humana.
Na apreensão da Verdade existe um conflito eterno entre a
mente humana universal e a mesma mente confinada no indivíduo. O perpétuo
processo de reconciliação tem sido levado adiante através de nossa ciência,
filosofia, em nossa ética. Em todo caso, se existir alguma Verdade
absolutamente não relacionada à humanidade, então para nós é absolutamente
não-existente.
Não é difícil imaginar uma mente para a qual a sequência de
coisas acontecem não no espaço mas apenas no tempo, como a sequência de notas
em música. Para tal mente, tal concepção de realidade é igual à realidade
musical na qual a geometria de Pitágoras pode não ter significado. Existe a
realidade do papel, infinitamente diferente da realidade da literatura. Para o
tipo de mente possuída pela traça que come aquele papel, literatura é
absolutamente não existente, ainda que para a mente do Homem literatura tenha
um valor maior de Verdade que a realidade mesmo do papel. De uma maneira
similar, se há alguma Verdade que não tem sensorialidade ou relação racional
com a mente humana, permanecerá como nada enquanto permanecermos seres humanos.
EINSTEIN: Então eu sou mais religioso do que você!
TAGORE: Minha religião é a reconciliação do Homem
Supra-pessoal, o espírito humano universal, no meu próprio ser individual.
EINSTEIN: Do you believe in the Divine as isolated from the world?
TAGORE: Not isolated. The infinite personality of Man comprehends the Universe. There cannot be anything that cannot be subsumed by the human personality, and this proves that the Truth of the Universe is human Truth.
I have taken a scientific fact to explain this – Matter is composed of protons and electrons, with gaps between them; but matter may seem to be solid. Similarly humanity is composed of individuals, yet they have their interconnection of human relationship, which gives living unity to man’s world. The entire universe is linked up with us in a similar manner, it is a human universe. I have pursued this thought through art, literature and the religious consciousness of man.
EINSTEIN: There are two different conceptions about the nature of the universe: (1) The world as a unity dependent on humanity. (2) The world as a reality independent of the human factor.
TAGORE: When our universe is in harmony with Man, the eternal, we know it as Truth, we feel it as beauty.
EINSTEIN: This is the purely human conception of the universe.
TAGORE: There can be no other conception. This world is a human world – the scientific view of it is also that of the scientific man. There is some standard of reason and enjoyment which gives it Truth, the standard of the Eternal Man whose experiences are through our experiences.
EINSTEIN: This is a realization of the human entity.
TAGORE: Yes, one eternal entity. We have to realize it through our emotions and activities. We realized the Supreme Man who has no individual limitations through our limitations. Science is concerned with that which is not confined to individuals; it is the impersonal human world of Truths. Religion realizes these Truths and links them up with our deeper needs; our individual consciousness of Truth gains universal significance. Religion applies values to Truth, and we know this Truth as good through our own harmony with it.
EINSTEIN: Truth, then, or Beauty is not independent of Man?
TAGORE: No.
EINSTEIN: If there would be no human beings any more, the Apollo of Belvedere would no longer be beautiful.
TAGORE: No.
EINSTEIN: I agree with regard to this conception of Beauty, but not with regard to Truth.
TAGORE: Why not? Truth is realized through man.
EINSTEIN: I cannot prove that my conception is right, but that is my religion.
TAGORE: Beauty is in the ideal of perfect harmony which is in the Universal Being; Truth the perfect comprehension of the Universal Mind. We individuals approach it through our own mistakes and blunders, through our accumulated experiences, through our illumined consciousness – how, otherwise, can we know Truth?
EINSTEIN: I cannot prove scientifically that Truth must be conceived as a Truth that is valid independent of humanity; but I believe it firmly. I believe, for instance, that the Pythagorean theorem in geometry states something that is approximately true, independent of the existence of man. Anyway, if there is a reality independent of man, there is also a Truth relative to this reality; and in the same way the negation of the first engenders a negation of the existence of the latter.
TAGORE: Truth, which is one with the Universal Being, must essentially be human, otherwise whatever we individuals realize as true can never be called truth – at least the Truth which is described as scientific and which only can be reached through the process of logic, in other words, by an organ of thoughts which is human. According to Indian Philosophy there is Brahman, the absolute Truth, which cannot be conceived by the isolation of the individual mind or described by words but can only be realized by completely merging the individual in its infinity. But such a Truth cannot belong to Science. The nature of Truth which we are discussing is an appearance – that is to say, what appears to be true to the human mind and therefore is human, and may be called maya or illusion.
EINSTEIN: So according to your conception, which may be the Indian conception, it is not the illusion of the individual, but of humanity as a whole.
TAGORE: The species also belongs to a unity, to humanity. Therefore the entire human mind realizes Truth; the Indian or the European mind meet in a common realization.
EINSTEIN: The word species is used in German for all human beings, as a matter of fact, even the apes and the frogs would belong to it.
TAGORE: In science we go through the discipline of eliminating the personal limitations of our individual minds and thus reach that comprehension of Truth which is in the mind of the Universal Man.
EINSTEIN: The problem begins whether Truth is independent of our consciousness.
TAGORE: What we call truth lies in the rational harmony between the subjective and objective aspects of reality, both of which belong to the super-personal man.
EINSTEIN: Even in our everyday life we feel compelled to ascribe a reality independent of man to the objects we use. We do this to connect the experiences of our senses in a reasonable way. For instance, if nobody is in this house, yet that table remains where it is.
TAGORE: Yes, it remains outside the individual mind, but not the universal mind. The table which I perceive is perceptible by the same kind of consciousness which I possess.
EINSTEIN: If nobody would be in the house the table would exist all the same – but this is already illegitimate from your point of view – because we cannot explain what it means that the table is there, independently of us.
Our natural point of view in regard to the existence of truth apart from humanity cannot be explained or proved, but it is a belief which nobody can lack – no primitive beings even. We attribute to Truth a super-human objectivity; it is indispensable for us, this reality which is independent of our existence and our experience and our mind – though we cannot say what it means.
TAGORE: Science has proved that the table as a solid object is an appearance and therefore that which the human mind perceives as a table would not exist if that mind were naught. At the same time it must be admitted that the fact, that the ultimate physical reality is nothing but a multitude of separate revolving centres of electric force, also belongs to the human mind.
In the apprehension of Truth there is an eternal conflict between the universal human mind and the same mind confined in the individual. The perpetual process of reconciliation is being carried on in our science, philosophy, in our ethics. In any case, if there be any Truth absolutely unrelated to humanity then for us it is absolutely non-existing.
It is not difficult to imagine a mind to which the sequence of things happens not in space but only in time like the sequence of notes in music. For such a mind such conception of reality is akin to the musical reality in which Pythagorean geometry can have no meaning. There is the reality of paper, infinitely different from the reality of literature. For the kind of mind possessed by the moth which eats that paper literature is absolutely non-existent, yet for Man’s mind literature has a greater value of Truth than the paper itself. In a similar manner if there be some Truth which has no sensuous or rational relation to the human mind, it will ever remain as nothing so long as we remain human beings.
EINSTEIN: Then I am more religious than you are!
TAGORE: My religion is in the reconciliation of the Super-personal Man, the universal human spirit, in my own individual being.